Notícias 16/02 - Juiz responsável pelo programa Lar Legal fala sobre a importância do projeto para a sociedade catarinense

Em entrevista, o juiz também fala sobre o papel do extrajudicial nessa ação social, os desafios e metas em 2022

 

O Programa Lar Legal, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), possui mais de 20 anos de existência, com o principal objetivo de legalizar títulos de propriedades para famílias carentes residentes em loteamento clandestinos ou comunidades empobrecidas, sem condições financeiras nem acesso à regularização por meio da justiça comum.

O Lar Legal foi instituído pela Resolução 8/2014 do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A iniciativa é da Corregedoria-Geral da Justiça catarinense, que em 1999 baixou provimento para permitir a regularização fundiária de famílias de baixa renda.

Somente nos últimos seis meses de 2021, o Lar Legal beneficiou quase duas mil famílias que vivem em Santa Catarina, e ao longo de toda sua existência o programa já entregou títulos de propriedade a mais de 22 mil famílias catarinenses.

Para participar

Para ingressar no projeto, as residências devem estar em uma área com densidade demográfica considerável, com malha viária – conjunto de vias do município- implantada e, no mínimo, dois equipamentos de infraestrutura urbana (drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água, distribuição de energia elétrica, limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) há pelo menos cinco anos. A região também precisa ser reconhecida pela prefeitura e pela associação de moradores.

O projeto conta com o apoio do Ministério Público e com as prefeituras catarinenses, além de ser referência na valorização da cidadania e promoção de justiça social no Brasil. A iniciativa já foi replicada nos estados no Paraná e Piauí.

Mesmo com a pandemia do coronavírus, os processos de regularização fundiária continuam a tramitar normalmente em todo o estado de Santa Catarina.

O juiz Fernando Seara Hickel, um dos magistrados responsáveis pelo programa Lar Legal, concedeu entrevista ao Colégio Registral Imobiliário de Santa Catarina (Cori/SC) e falou sobre desafios, objetivos, benefícios e muito mais sobre o projeto que ajuda famílias catarinenses. Confira a entrevista:

 

Cori/SC – O senhor pode contextualizar um pouco sobre o programa Lar Legal?

Juiz Fernando S. Hickel – O Lar Legal existe há 23 anos e é um programa de caráter eminentemente social, conduzido pelo Poder Judiciário.

Trata-se de uma iniciativa de vanguarda da Justiça catarinense que consiste em legalizar títulos de propriedade para famílias carentes residentes em loteamentos clandestinos ou comunidades empobrecidas, sem condições financeiras nem acesso à regularização por meio da justiça comum.

A iniciativa é referência na valorização da cidadania e promoção da justiça social no Brasil. Possui enfoque coletivo, sendo que com na entrega do título de propriedade, o morador se torna apto, entre outros benefícios, a fazer um financiamento, investir no imóvel ou até mesmo negociar o bem que antes  não tinha um registro.

 

Cori/SC – Quais os principais desafios que o Lar Legal já enfrentou?

Juiz Fernando S. Hickel – Acredito que, no início, o principal desafio foi o desconhecimento por parte de algumas pessoas. Por exemplo: um loteamento não deixa de ser ilegal em razão das famílias lá residentes conseguirem acesso aos títulos de propriedade; tal ilegalidade – do loteamento – persiste, podendo posteriormente ser o loteador responsabilizado ou até mesmo o município, de forma subsidiária.

Outra questão é que o Programa Lar Legal não se confunde com a REURB, uma vez que envolve não apenas a regularização registral. Dito de outra forma, os objetivos traçados pela lei da REURB – de suma importância – podem ser alcançados em momento posterior à titulação das famílias  existentes no local.

 

Cori/SC – Quais os principais objetivos e metas traçadas para esse ano?

Juiz Fernando S. Hickel – O principal objetivo, a cada ano, sempre é a entrega de títulos a um número  maior de famílias.

Além dessa questão, um grande objetivo será a retomada  das cerimônias de entrega dos títulos nas próprias comunidades beneficiadas com o Programa, sendo que esse ponto foi muito prejudicado  por conta da pandemia.

Porém, a questão da retomada da entrega, evidentemente, dependerá da melhora dos índices da pandemia no decorrer do ano.

 

Cori/SC – Ao longo desses anos, se fosse para destacar um momento do  projeto Lar Legal, qual seria?

 Juiz Fernando S. Hickel – Ao longo de todos os anos, muitas famílias foram beneficiadas e portanto, muitos momentos mereceriam destaque. Muito além do que o próprio título de propriedade representa, é sobre ter a certeza de que estamos trilhando um caminho que visa a cidadania e a paz social, propiciando condições dignas para aqueles que mais necessitam de atenção.

A entrega ocorrida no ano de 2015, no município de São Francisco do Sul, que beneficiou 911 famílias do Ervino, foi um marco no número de títulos entregues até então.

A entrega ocorrida no município de   Chapecó,   denominado loteamento Marechal Bormann, foi bastante emblemática, pois em apenas  81 dias teve o processo concluído e a solenidade realizada.

E, em dezembro de 2021, quando a capital catarinense aderiu à iniciativa, o Poder Judiciário entregou títulos de regularização fundiária para 1.331 famílias em tempo recorde. Em apenas 69 dias foi concluída a sentença judicial que contemplou a comunidade do bairro Tapera. A celeridade do processo, numa verdadeira conjugação de esforços, demonstra que não faltaram empenho e comprometimento de todos os envolvidos, inclusive do cartório de registro de imóveis.

 

Cori/SC – Quais os principais benefícios que o programa traz para o estado de      SC? E para a população que é contemplada com o projeto?

Juiz Fernando S. Hickel – A aproximação do judiciário com as comunidades destinatárias do programa viabiliza conhecer e, também, lançar um novo olhar sobre a realidade dessas pessoas, permitindo assim que a justiça seja ainda mais humana.

Isso somente se torna possível quando trabalhamos junto com as administrações municipais. Com a entrega do título de propriedade, o gestor consegue planejar e organizar melhor a sua cidade, pois, a exemplo,  o morador passa a pagar seus impostos. Com isso, aumentam as chances de chegarem recursos que promovam melhorias, que sejam disponibilizados equipamentos públicos, infraestrutura, além de promover maior qualidade de vida para aquela comunidade em geral.

Aos beneficiários, a valorização como ser humano, o sentimento de pertencimento, visibilidade, passam a ter um “comprovante de endereço”,  a segurança e pacificação social chegam a partir do momento que recebem  a comprovação de que aquele pedaço de terra lhes pertence de fato e direito.

 

Cori/SC – Quanto tempo leva o processo para a pessoa/família conseguir o  título de sua propriedade? E quais são as etapas?

Juiz Fernando S. Hickel – Dependerá de cada processo. Existem casos de processos que foram julgados em 80 dias. Porém, para que a celeridade que se almeja seja de fato alcançada é necessário que toda a documentação exigida esteja dentro        do processo e apta para sentença, bem como que todos os envolvidos no programa estejam comprometidos.

Após proferida a sentença e certificado seu trânsito em julgado, o cartório de registro de imóveis é responsável pelo registro das matrículas. Concluído esse processo, a serventia dá ciência à Coordenadoria do Programa sobre o cumprimento do mandado, viabilizando assim o agendamento da solenidade de entrega dos títulos aos beneficiários.

 

Cori/SC – Como o interessado pode buscar através do programa regularizar  sua propriedade?

Juiz Fernando S. Hickel – O primeiro requisito necessário é que a pessoa faça parte de uma localidade         que se enquadre nos parâmetros estabelecidos para ingresso da ação pelo  Lar Legal, além de ser necessário que a municipalidade tenha aderido ao programa.

Uma observação importante é que o projeto não contempla, por exemplo, áreas em situação de risco e áreas de preservação permanente.

É importante que se comprove se tratar de população preponderantemente de baixa renda, além de ser imprescindível comprovar a posse do terreno que pretende regularizar. Superada essa fase, através da própria associação de moradores, por exemplo, o cidadão

torna-se elegível a ingressar com a ação, que será ajuizada de forma coletiva, a fim de ter seu direito reconhecido.

 

Cori/SC – Para finalizar, qual sua opinião sobre a história que o projeto Lar Legal está realizando em Santa Catarina?

Juiz Fernando S. Hickel – O programa teve início no ano de 1999, mediante um provimento da Corregedoria-Geral da Justiça, na gestão do desembargador Francisco de Oliveira             Filho. Desde então, foi sendo aprimorado e contou e conta com dois grandes incentivadores: desembargador Lédio Rosa de Andrade e desembargador Selso de Oliveira, nosso  atual coordenador.

O presidente do Tribunal de Justiça, desembargador João Henrique Blasi, é um dos grandes incentivadores do programa desde sempre, tendo sido relator de decisão emblemática para a continuidade do programa enquanto atuava no Grupo de Direito Público do nosso Tribunal.

O programa, ao longo dos anos, fez história e resgatou cidadania para mais de 20 mil famílias, sendo replicado em outras unidades da federação.

É a realização de um sonho para as comunidades abrangidas. Certamente o Lar Legal constitui uma alternativa para o resgate da cidadania da população que mais precisa do nosso olhar.

 

Fonte: Assessoria Cori/SC