Notícias 19/05 - “O sistema registral imobiliário brasileiro é juridicamente mais seguro, eficiente e econômico que o norte-americano”

Diretora do Cori/SC, Bianca Castellar de Faria, fala sobre sua tese de doutorado que analisou o Registro de Imóveis do Brasil e dos Estados Unidos

 

O Colégio Registral Imobiliário de Santa Catarina (Cori/SC) conversou com Bianca Castellar de Faria, diretora do Cori/SC e titular do 1º Registro de Imóveis de Joinville, sobre sua tese de doutorado intitulada “Análise constitucional e econômica do sistema registral imobiliário do Brasil e dos Estados Unidos: segurança jurídica, eficiência e custo”.

A defesa da tese do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e da Delaware Law School – Widener University foi apresentada pela pesquisadora em abril deste ano, e aprovada com nota máxima pela banca avaliadora. A apresentação completa pode ser conferida pelo youtube.

O estudo foi realizado no Brasil e nos Estados Unidos e apresenta uma análise comparativa entre o sistema de Registro de Imóveis dos dois países no que diz respeito aos elementos segurança jurídica, eficiência do serviço e custo das transações. A pesquisa concluiu que o sistema registral imobiliário brasileiro é juridicamente mais seguro, mais eficiente e mais econômico que o norte-americano.

 

Confira a entrevista na íntegra:

 

Cori/SC: Quais são os principais assuntos abordados na pesquisa e por que escolheu falar sobre esse assunto?

Bianca Castellar de Faria: A pesquisa faz uma análise comparativa do Registro de Imóveis do Brasil e dos Estados Unidos em relação a três elementos: segurança jurídica, eficiência e custo. Afinal, qual o sistema registral mais seguro, mais eficiente e mais barato: o brasileiro ou o norte-americano?

Como titular de Registro de Imóveis desde 2006, percebe-se a falsa concepção atribuída ao sistema registral imobiliário brasileiro. Tanto juristas quanto leigos tacham o sistema nacional de excessivamente burocrático, inseguro e caro, elogiando o sistema norte-americano sem nenhum conhecimento de causa e utilizando-o como exemplo a ser seguido.

E essa imagem distorcida traz prejuízos ao sistema brasileiro, na medida em que a sociedade em geral, incluindo seus representantes, fica com a impressão de que há necessidade de aproximarmos o modelo nacional ao norte-americano, motivando projetos de alteração legislativa que chegam até a propostas de estatização dos cartórios.

 

Cori/SC- Quais as principais diferenças entre o sistema de Registro do Imóvel do Brasil e dos Estados Unidos?

Bianca Castellar de Faria: Importante mencionar que nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, não há a figura da certidão, documento por meio do qual o interessado obtém informação sobre os imóveis, seus titulares e eventuais ônus. Nos Estados Unidos a fase do due dilligence é bastante demorada e cara, pois há necessidade de se contratar profissional especialista para buscar informações sobre o imóvel (title search).

No Brasil, a figura da certidão da matrícula do imóvel amplia a publicidade e simplifica o due dilligence, pois um único documento concentra as informações relacionadas ao imóvel e a seus titulares de direitos reais.

No Brasil, o registrador de imóveis responde por eventual falha. Nos Estados Unidos, a União, os estados, os condados e o registrador de imóveis são imunes, não podendo ser responsabilizados civilmente por eventual falha.

Nos Estados Unidos, há necessidade da contratação de um seguro do título (title insurance), a fim de oferecer mais segurança à operação imobiliária.

 

Cori/SC: De que forma o estudo pode contribuir com o sistema registral imobiliário?

Bianca Castellar de Faria: A presente pesquisa, portanto, tem importância teórica e prática. A relevância teórica é o desenvolvimento de estudo, com análise aprofundada em relação aos dois sistemas, a fim de contribuir com mais informações científicas a respeito do tema, inclusive com levantamento de dados relacionados à segurança, à eficiência e ao custo das operações de transferência de propriedade.

A relevância prática é que o foco dessa pesquisa será em esforços reais para o aperfeiçoamento dos sistemas, sem falsas premissas que apenas fazem com que as medidas propostas sejam ainda mais prejudiciais ao sistema nacional.

Ao final da pesquisa, foram realizadas várias proposições ao sistema registral do Brasil, dos Estados Unidos e ao Banco Mundial.

Para o sistema registral imobiliário do Brasil:
-Fortalecimento do princípio da concentração registral
-Maior uniformidade e integração tecnológica
-Universalização do uso da assinatura eletrônica
-Criação da Central Nacional de Gravames
Para o sistema registral imobiliário dos Estados Unidos:
-Adoção do sistema de registro de direitos pelos estados federados
-Adoção do fólio real e não apenas pessoal
– Publicidade da situação jurídica do imóvel

Para o Banco Mundial:
– Revisão da metodologia do Doing Business e manutenção do projeto

 

Cori/SC: Após concluir a pesquisa, pode-se afirmar qual sistema registral é melhor e sob quais aspectos?

Bianca Castellar de Faria: No que diz respeito à segurança jurídica das transações imobiliárias, concluiu-se que o sistema brasileiro é mais seguro que o sistema norte-americano, destacando-se seis fatores.

A forma de acesso à função e o requisito para ingresso na atividade: enquanto no Brasil o registrador de imóveis é um profissional do Direito e, necessariamente, por força do texto constitucional, passou por um estreito e rígido crivo do concurso público, o registrador de imóveis norte-americano não necessariamente precisa ter formação jurídica e é eleito ou nomeado politicamente.

No Brasil, há qualificação registral, que se consubstancia em análise jurídica de aspectos formais e materiais do título de aquisição, já o registrador de imóveis norte-americano realiza uma análise formal do título, sem entrar nos aspectos materiais.

A natureza jurídica de cada um dos sistemas registrais: enquanto no Brasil, o registro é do direito, pois constitui ou declara o direito em si, nos Estados Unidos, o registro é do documento, tendo o registro apenas o efeito de constituir presunção de conhecimento, sem necessariamente transferir a propriedade.

O Registro de Imóveis brasileiro tem condições de conferir publicidade ao direito vigente, indicando numa certidão quem é o real e atual proprietário e quais são os gravames incidentes sobre o imóvel, enquanto o Registro de Imóveis norte-americano proporciona acesso aos documentos arquivados, por meio de um índice, mas sem certificação do direito.

Enquanto no Brasil, há previsão constitucional de responsabilidade objetiva do Estado e subjetiva do delegatário do serviço público, nos Estados Unidos, tanto a Constituição Federal como as estaduais instituem a sovereign immunity, ou seja, a imunidade estatal, inviabilizando que qualquer particular prejudicado acione o Estado ou o registrador de imóveis responsável.

Por fim, outro fator garantidor de segurança é a forma de fiscalização do serviço prestado. No sistema registral brasileiro, também por força constitucional, há ativa e permanente fiscalização pelo Poder Judiciário que, assim tanto em âmbito estadual como em nacional, tem atribuição de regulamentação de procedimentos. Por outro lado, nos Estados Unidos, a fiscalização é de competência do próprio Poder Executivo, ao qual o Registro de Imóveis está atrelado.

Em relação ao elemento determinante eficiência, foram comparados dados do Registro de Imóveis de New Castle, no estado de Delaware e dos Registros de Imóveis de Joinville, pelo fato de contarem com população semelhante. Houve análise, também, dos procedimentos e seus respectivos prazos das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Nova Iorque e Los Angeles, com base no relatório do Banco Mundial.

A grande diferença de eficiência foi revelada na fase de busca de informações, ou seja, no due dilligence. Enquanto o title search e o title abstract podem levar semanas, a certidão da matrícula do imóvel é obtida em horas. Pela comparação do prazo para a prática do ato registral, o sistema registral norte-americano oscila entre 21 e 21,5 dias, enquanto o brasileiro entre 8 e 20 dias. Já o due dilligence norte-americano oscila entre 12 e 19 dias, enquanto a emissão de certidão no Brasil ocorre entre 2 horas e 2 dias. Dessa forma, a pesquisa concluiu que o sistema registral imobiliário do Brasil é mais eficiente que o dos Estados Unidos.

Na análise do custo das transações imobiliárias, terceiro elemento determinante, verificou-se percentuais bem distintos de acordo com o valor do imóvel. Numa transação imobiliária de US$ 1.000.000, o custo da operação é de 0,7% sobre o valor do imóvel nos Estados Unidos e de 0,07% no Brasil; já numa operação de US$ 50.000, o custo é de 3,2% nos Estados Unidos e de 1,4% no Brasil. De acordo com os valores da propriedade imobiliária, o custo do sistema norte-americano oscila entre 0,8% a 3,2%, enquanto o custo do sistema registral imobiliário brasileiro fica entre 0,07% a 1,4%. Verificou-se, portanto, que o sistema registral imobiliário brasileiro tem um custo bem menor que o norte-americano.

 

Cori/SC: Qual foi a conclusão final da pesquisa?

Bianca Castellar de Faria: O sistema registral imobiliário brasileiro é mais seguro, mais eficiente e mais barato. O sistema registral norte-americano está mais evoluído na quantidade de tramitação de títulos eletrônicos.

Fonte: Assessoria de Comunicação do Cori/SC