Notícias 26/07 - IBDFAM: Mãe perde guarda de filho e um dos motivos seria o fato de residir em área de risco

A Justiça do Rio de Janeiro tirou de uma mãe a guarda do filho de 8 anos. Um dos argumentos, seria o suposto fato de ela viver com a criança em uma região de risco, na Zona Norte da capital carioca. A guarda do menino passou para o pai, que reside em Santa Catarina e não vê o filho há quatro anos. A guarda compartilhada teria sido descartada também por causa da distância entre a residência dos pais. De acordo com matéria do Portal G1, a decisão ainda teria levado em conta que por ser do sexo masculino, a criança necessitaria de um exemplo paterno.

Para a psicanalista Giselle Groeninga, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, “a distância absolutamente não impede o compartilhamento da guarda quanto ao exercício da responsabilidade conjunta que a define, como reza também o Poder Familiar. Certo que as distâncias física e mesmo emocional entre os pais, os impasses e as desavenças, podem trazer mais dificuldades quanto ao exercício da responsabilidade conjunta. Mas a estes cabe se responsabilizar por transpor distâncias físicas e barreiras emocionais em função do divórcio”, destaca.

Em sua opinião, cabe lembrar que “o compartilhamento da guarda não se confunde com a fixação de residência. A decisão da residência pode, às vezes levar em conta as condições materiais. Mas claro que estas não se sobrepõem às condições existenciais, criadas pela mãe e pelo pai. E preservados os princípios da responsabilidade conjunta e garantidos os direitos à convivência, a fundamentação quanto à residência é de suma importância, dado também o valor simbólico, emocional, que a decisão venha a ter para os pais e para a criança”.

“Cabe frisar que um dos grandes avanços trazidos pela lei da guarda compartilhada foi a mudança de uma dinâmica competitiva – a guarda seria dada a quem mostrasse melhores condições, sendo que a divisão rígida de papéis e de funções entre mãe e pai era socialmente corrente, em tempos de patriarcado. A dinâmica a ser buscada hoje é outra, e menos autoritária. É a dinâmica da cooperação e a do exercício da responsabilidade conjunta, e de forma ampla”, diz.

Outros pontos

Outro ponto que Giselle Groeninga diz chamar a atenção seria o argumento de que a criança, por ser do sexo masculino, necessitaria do exemplo paterno. Para ela, sem dúvida, a convivência com o pai é mais do que desejável, mas deve-se ponderar que as crianças buscam exemplos masculinos ou femininos não só nos ascendentes de primeiro grau e mesmo na própria família. “É importante que a ausência do contato e convívio com o pai não seja mensurada em termos comparativos”, diz.

Quanto à questão da mãe residir em área de risco, comenta a psicanalista: “Impressiona o argumento relativo à segurança dos locais de moradia da mãe versus a do pai. Em última instância, com a utilização deste tipo de argumento em uma sentença se estaria dando margem a que a guarda fosse decidida, não principalmente com base nos cuidados e no ambiente emocional, o que não se pode aquilatar no caso, mas em função da periculosidade do local em que residem. Nunca é demais lembrar que vivemos tempos de ‘feminilização da pobreza’ em um país em que grande parte dos lares é mantida somente por mulheres, e que muitas vezes os pais acabam por ter melhores condições socioeconômicas. E será, então, que dando consequência à argumentação, o Estado deveria ser responsabilizado por não dar a devida proteção, aliás, constitucional”, destaca.

Segundo informações do Portal G1, a mãe trabalha há quatro anos como agente comunitária de saúde e tem casa própria. O filho de 8 anos, que estuda em um colégio particular, mora com ela e um irmão mais velho, de 15 anos, de uma relação anterior. Os parentes dela também moram na comunidade.

Da decisão do juiz ainda cabe recurso. O processo corre em segredo de justiça. A Assessoria de Comunicação do IBDFAM tentou falar com o magistrado, por meio da assessoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que informou que os processos de guarda são sigilosos. Além disso, os magistrados não podem comentar decisões, sentenças e afins em processos que ainda estejam em tramitação, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura (Loman).

Interesse da criança

A psicóloga Glicia Brazil, membro do IBDFAM, apontou algumas questões do ponto de vista técnico a respeito dos critérios para fixação da Guarda Compartilhada. Para ela, a norma deve ser sempre adequada às condições fáticas da vida da criança, tentando ajustar os horários da escola, os horários das atividades extracurriculares, a rotina, quem é que pega, quem é que busca. E esse arranjo deve ser visto caso a caso, feito de forma artesanal e finalizado no caso concreto.

“A principal função e importância da guarda compartilhada é dizer aos pais que eles não são donos dos filhos, então eles precisam exercer essa autoridade de modo repartido, de modo que cada um possa exercer o seu papel, respeitando o papel do outro. E, além disso, para o filho é importante que ele saiba que os pais têm essa guarda compartilhada, tem essa responsabilização conjunta, porque aí o filho passa a olhar para o pai e para a mãe com igual autoridade, respeitando ambos”, detalha.

Ela explica que não é necessário que as pessoas residam no mesmo município. E nem tão pouco no mesmo estado ou país, uma vez que pode ter uma fixação de uma guarda compartilhada e uma convivência determinada de acordo com o caso concreto, levando em conta o interesse da criança.

“O pré-requisito do ponto de vista psicológico para que dê certo a guarda compartilhada é a questão do continuísmo afetivo, que é a criança poder transitar entre as casas, levando com ela as coisas e as pessoas que ela gosta. Então mesmo que esses pais morem em cidades diferentes eles podem exercer isso, podem ter o cuidado de quando a criança for na casa de um ou de outro colocar os objetos que a criança gosta, levar a criança até na porta da casa do outro para poder implicitamente dar como linguagem para a criança que aprova aquela convivência”, enfatiza.

Para Glicia Brazil, no caso de uma criança que não conhece o pai, tem que ter um cuidado na fixação da guarda com essa pessoa porque a criança não a conhece.

“Nós temos no artigo 1.583 e 1.5584 do Código Civil em que os critérios para fixação da guarda são afetividade, parentesco e afinidade. A gente tem que levar em conta os vínculos de afeto da criança na hora de fixar a guarda”, lembra.

Fonte: Portal do RI